When I need you - Celine Dion

Arranjuez Mon Amour - Nana Mouskouri

17.4.06

Meu avô: Homem - herói e poeta!

Olá,



fez no dia 9 de Abril, 88 anos que que se travou a batalha de La Lys - na França - que decidiu o vencedor da 1ª Grande Guerra Mundial.

Portugal, com o CEP - Corpo Expedicionário Português - também contribuiu para que a pátria da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade resistisse e vencesse o invasor que, 20 anos depois, estaria na origem do mais horrendo conflito da história da humanidade: a 2ª Guerra Mundial.

Meu avô, que nascera em 16 de Junho de 1896, foi um dos heróis de La Lys, mas pagou com a saúde a sua coragem e valentia nesses lamacentos e ensanguentados campos de batalha, tantos foram os gases inalados durante esses meses de trincheiras.

Mesmo antes de se alistar no Corpo Expedicionário Português, com vinte anos apenas, já meu avô se tinha ilustrado pela rebeldia que lhe valeu 3 dias de calabouço na tropa - enquanto recruta - e uma página da caderneta que o general lhe arrancou depois de se aperceber que o soldado que teve a ousadia de lhe dar duas bofetadas, demonstrou ser mais corajoso ainda, quando, debaixo do fogo e depois de 3 dias de isolamento e bombardeamentos intensos, arriscou a sua vida para atacar o inimigo pelos flancos e lhe roubar os víveres que salvaram os seus camaradas de armas e os seus oficiais de uma morte certa.

O outro facto ocorrera, anos antes, na igreja matriz da freguesia de Fiolhoso - nossa terra natal - num domingo de ramos, quando, para salvar a honra de uma criança enfrentou de peito aberto o abusador que lhe apontara uma pistola.

Loucura? Coragem? Inconsciência de um jovem?
Nada disso: dever! Dever de obedecer à voz da consciência e de ser homem em todas as circunstâncias!
Os factos que relatei antes de receber a medalha, provam que o António Macedo, nascera para ser Homem durante os 66 anos de vida!

Outro facto, prende-se com a " honra " à palavra dada e ao amor. E foi o seguinte!

Durante o conflito, os soldados não passavam só o tempo a disparar para matar ou morrer. Muitos dos largos dias de guerra eram passados a ajudar os camponeses na faina agrícola, porque, apesar dos bombardeamentos, a vida continuava e a terra tinha que produzir o sustento da nação francesa e dos valorosos jovens que, vindos dos quatro cantos do mundo, ofereciam as suas vidas para que Humanidade continuasse a viver e decidir livremente o seu destino.

Habituado a essas labutas no seu Trás-os-Montes agreste, o meu avô rápido ganhou a simpatia de um grande agricultor e encantou a " mademoiselle " sua filha, mas nem todos os campos de La Marne e de La Chamapagne conseguiram comprar a " palavra de honra " que o adolescente dera, antes de partir para a guerra, a uma donzela sua vizinha:

__ Espera por mim, Ana, que eu hei-de voltar e casar contigo !

O soldado Macedo duas vezes foi feito prisioneiro no campo de batalha - ( até parece que os alemães erravam o alvo de propósito !!! - e por duas vezes conseguiu fugir e voltar à sua trincheira de La Lys, como se " glória " lhe tivesse marcado a hora e escrito na testa: nascido para ser herói no dia 9 de Abril de 1918 ! (*)

O transmontano voltou e casou, honrando a sua palavra de amor. E ambos foram muito felizes durante 44 anos, até que a morte os separou !

Conheci meu avô e padrinho muito mal, mas dele retenho imagens fortes de um homem austero a lutar contra a doença que lhe cortou o fio da vida e a sorrir e a acariciar o neto franzino que, no intervalo das aulas, corria cem metros para vir pedir a benção e beijar os avós que sempre tinham algo para lhe meter no bolso para ele poder voltar para o recreio e repartir com os coleguinhas.

Eu não tinha ainda oito anos quando ele faleceu, mas aos 12, depois de voltar do colégio para as merecidas férias grandes, pedi à minha avó que me mostrasse as coisas do meu avô.
Sinceramente do espólio nada me interessou: nem as armas de caça, nem as medalhas, nem as libras de ouro, nem as gargantilhas e fiquei muito triste por nada que fora do meu avô me interessar.
Minha avó, vendo a minha tristeza, disse-me:
__ Ó filho, então nada te serve para lembrança do teu padrinho?
__ Não, avó, isso não !
__ Espera, o teu tio quis queimar uns livros de versos que o teu avô escreveu na guerra e às vezes ao serão enquanto eu tricotava e costurava...
__ Versos, avó?! O avô era poeta?!
__ O avô era sobretudo muito prosa... ( vaidoso ) !

Ainda me lembro: os meus olhos arregalaram-se e o meu coração quase me saltou do peito.
Em silêncio segui minha avó até ao baú das " futilidades " e insignificâncias, que meu tio quis queimar: a caderneta militar do meu avô, onde consta a sua bravura em La Lys e as folhas suadas e defumadas de um caderno de apontamentos
quadriculado que me prova que, além de herói e homem de palavra, meu avô até prisioneiro conseguia ser poeta.

Agora percebo porquê: era a sua forma de ser livre!
Seguramente que ele deveria ter muitos anjos da guarda e conhecer muito bem a força do sonho e do amor, para ter ido para o inferno e voltado ao seu paraíso transmontano...com um sorriso nos lábios. Dizem que também herdei isso dele...

__ Avó, esta é a recordação que eu quero ter do padrinho !
__ Mas isso não vale nada, Luís !
__ Nada avó?!
__ Sim, filho...
__ Ai avó, avó, se o meu avô tivesse estudado...
__ Pois, mas quando voltou da guerra, foi o teu avô quem teve que pegar na casa do pai...( e cuidar dos negócios e do sustento da família, porque o irmão mais velho já havia emigrado para o Brasil - Barra do Pirauí, no Estado do Rio de Janeiro ! )

Eu fiquei pensativo, porque não entendi o sentido das palavras, mas também não lhe liguei importância porque o que eu - que acabara de fazer os meus primeiros versos, no Colégio Salesiano de Arouca - mesmo queria, era ler os versos do meu avô materno...

Meses mais tarde, curioso como era, descobri que também o meu pai - que aos 18 anos retornara do Rio de Janeiro para cumprir o serviço militar na Pátria-Mãe - também era dado a versos e fora com eles que seduzira a " menina " dos olhos do meu avô, um Homem que, para mim, sempre foi um herói e um poeta!

Ah, como é bom, de vez em quando, regressar às raízes e mergulhar a alma dos rios das lembranças ou basculhar no baú das reminiscências !


(*) Foi na batalha de La Lys, a poucos quilómetros do meu avô, que outro conterrâneo murcense de Valongo de Milhais, entrou para a história, como um dos maiores heróis da guerra. Anibal de Milhais passou a chamar-se Anibal Milhões, o herói cujo busto pode admirar na praça com o seu nome na Vila de Murça em Trás-os-Montes, Portugal, o país onde nasci.



Luís Macedo Martins Pereira
Luxemburgo - MacMartinson - 2006

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