Katy...
Acabara de chegar ao Luxemburgo, um país frio, mas livre. Deixara para trás o meu perdido nos meandros de uma revolução usurpada, manipulada...
Com o sonho universitário bem vivo, comecei a trabalhar como " garçon ", encontrando pessoas, aperfeiçoando o francês e o inglês, -línguas que estudara no liceu - e ganhando, além do salário, umas gorjetas que as " madames " me deixavam no prato ou me metiam no bolso para me agradecer o sorriso e a gentileza com as acolhia e servia, quando não era pelos minutos passados a escutar os seus desabafos, sempre espiado por um patrão muito ciumento.
Tinha 21 anos, cabelos encaracolados " beau gosse " - belo moço - como dizem as francesas.
Na minha terceira semana de trabalho, meados de Fevereiro de 1976, o patrão decidiu empregar mais uma pessoa para ajudar na cozinha. Eram 10 horas quando entrou uma loira, bem descomplexada, com um sorriso nos lábios! O patrão não precisou de mais: engajou-a logo, pensando que seria mais uma que " comeria " facilmente. Ele, antigo boxista, com os seus 110 quilos pensava impressionar toda a gente.
Ao meio-dia, Katy, assim que se chamava a " demoiselle " já enchia copos, sob os olhares dos serventes, que se apinhavam à sua volta como moscas numa gota de mel.
Adriano, um português poliglota - falava oito línguas - com ares de Che Guevara, ria-se como um perdido e repetia-lhes:
__ Cão que ladra não morde.
No hotel, a par do " Che " , que se encarregava da patroa, apenas um " garçon " se limitava a sorrir, e sempre de bem longe, à Katy: eu, o " estudante ", ou doutor como muitos se apraziam a chamar-me, pois quase sempre conseguia o que queria: mesmo 4 horas para ir jogar futebol ao domingo. Condição que o patrão não me conseguiu recusar, depois de - logo 1º dia - se ter apercebido como eu, sem nunca ter trabalho e com poucos dias de Luxemburgo, tratava os clientes, sobretudo as " meninas " que estudavam no colégio das freiras, mesmo em frente do " wimpy " - Hotel du Luxembourg, na cidade Patton - general americano e herói da 2ª guerra mundial - , nome dado à Ville d'Ettelbruck, a porta das ardenas, donde os americanos lançaram a ofensiva para a " Bataille des Ardennes " que decidiria, na Europa, o último conflito mundial.
Ao 3º dia de trabalho da Katy, eu vi entrar uma criança muito loirinha, um amor de menina, acompanhada por uma senhora. Estava de serviço, fui recebê-las. Inexplicavelmente a loirinha agarrou-se a mim e quase me beijou. Sentei-a numa almofada e preparei-me para anotar a encomenda. Pelo espelho lateral, apercebi-me que Katy lhes sorriu e acenou discretamente.
Fui encomendar os sumos e aguardei que ela preparasse as bebidas. Os seios dela quase saltavam do sutiã: que tentação! Logo comecei a sentir um tesão, bom, ainda bem que o casaco branco me dava quase pelo joelho...
Ao pegar nos copos murmurei:
__ Não me importava de ter uma filha como aquela loirinha!
__ Sério?
__ Quem não gostaria?! Até tu, Katy!
__ Eu?!
__ Sim, não me digas que não gostas de crianças? Pelo pouco que já vi e entendi, eu sei que vós, os luxemburgueses, gostais mais de cães do que de bébés...
__ Vá, leva os copos aos clientes!!!
Ao virar-me vi que a criança sorria e acenava na minha direcção!
Dois minutos depois, Katy veio beijá-la: era a filha dela!
Os dias passaram-se, e os rapazes não a largavam! Só faltava beijar-lhe os pés: para eles, Katy era uma deusa! Adriano, psicólogo ria-se e empiscava-me. Quando queríamos que os outros não entendessem nada, falávamos em inglês. O " Che " era um ser excepcional, apesar de ser " camarada " e eu lhes andar com " ganas " - pois temia o pior pelo meu futuro, um pressentimento que se revelou certeiro anos mais tarde - nós entendíamos maravilhosamente, não pelo facto de ambos sermos ou termos sido estudantes, mas porque tínhamos e respeitávamos os valores da amizade.
Na véspera de carnaval, decidi passar ao ataque com uma frase em luxemburguês, que o Adriano me ensinara na véspera.
__ Podes traduzir-me uma frase, Katy?
__ Claro, diz!
__ Wells du mat mia Puppen?
__ Estás a falar a sério?
__ Sim, porquê, o que quer dizer, Katy?
__ Queres fazer amor comigo ?!
__ Mas... estás a traduzir ou a fazer uma pergunta?
__ Ambas !!!
Não respondi! Surpreendi-a com um beijo na boca que a deixou sem fôlego e fez do seu sorriso um arco-íris!
Na madrugada de Carnaval, depois de mais de 10 horas de trabalho, Katy convidou todo o mundo para ir o quarto dela descontrair um pouco. Falámos de tudo e de nada e rimos como malucos.
Descontraida e alegre, Katy não se protegia e os rapazes podiam cobiçar-lhe as coxas, os seios, ver-lhe quase o slip, enfim, presa fácil. Ui que tentação!
Que não dariam eles para ficar com a bela?
Às 5 da manhã, Katy teve que mandar todo o mundo embora, pois às 10 havia que começar as pôr as mesas. Num segundo os nossos olhares disseram tudo, mas eu fingi que não tinha entendido nada e fiquei para último. Ao atravessar a soleira da porta, senti a mão de Katy agarrar a minha, enquanto acenava aos outros, que desapareciam desconfiados no corredor.
Depois, foi fechar rapidamente a porta à chave e cair abraçados na cama para saciar a fome que o desejo que aqueles dias de espera tinham acumulado nos nossos corpos endiabrados...
Dois dias depois, o patrão, informado do ocorrido por um invejoso, quis obter os favores de Katy, que se casaria pela 2ª vez quinze dias mais tarde.
Rejeitado, o cobarde telefonou ao noivo a avisá-lo do sucedido e na hora Katy lhe exigiu que lhe pagasse o que lhe devia, não trabalhando nem mais um segundo para tal " buçal ". Eu fiquei constragido, mas ela, sorrindo orgulhosa, disse:
__ Ne t'en fais pas, Louis! ( Não te preocupes, Luís! )
Nessa noite, dormimos no Hotel Herckmans, onde trabalhavam 3 portuguesas que sorriram ao entregar-me a chave do quarto...
Katy jurou-me que desistiria do casamento se quisesse ir viver com ela. Mas não, o meu desejo não conseguiu derrubar as barreiras e as convenções sociais.
Ao deixá-la insistiu para que fosse ao casamento dela para me oferecer a noite de núpcias, pois o marido - depois de uns copos de cerveja e de champanhe, dormiria como uma pedra.
Claro que não aceitei, mas fui visitá-la meses depois ao hotel onde ela trabalha, na Alemanha, do outro lado do rio Sûre.
Depois, só a voltei cruzá-la mais uma vez! Tinham passado 2 anos, estava à boleia quando senti um carro travar nas minhas costas.
__ Entra, Luís !
__ Olá, Katy! Tudo bem?
__ Mais ou menos...
A viagem demorou 10 minutos, silenciosos, contemptivos.
Durante o trajecto pensei no romance que poderia ter escrito com ela, mas Katy não me estava destinada... Ela teria direito apenas a umas linhas no livro da minha vida!
Até hoje, e já lá vão 32 anos, nunca mais nos cruzámos...
Lud MacMartinson - LMMP - Luxemburgo
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